domingo, 24 de febrero de 2008

el brasiguayo o portunhol selvagem en el prólogo a “mar paraguayo” de wilson bueno

el prólogo a la novela mar paraguayo del escritor paranaense wilson bueno, néstor perlongher desarrolla bajo el sugestivo título de sopa paraguaya, una serie de apreciaciones sobre la lengua que está siendo inventada a medida que el texto avanza. estas apreciaciones son de gran utilidad en este momento en que, 15 años después se inicia un nuevo debate de los tantos que cíclicamente se producen, acerca del fenómeno
he aquí la transcripción del mencionado prólogo. de nada


SOPA PARAGUAIA

Por Néstor Perlongher


A publicação de Mar Paraguayo, de Wilson Bueno, coloca-nos diante de um acontecimento. Os acontecimentos costuman chegar em silencio, quase imperceptíveis, somente os mais avisados os detectam. Mas, uma vez que se instalam, que tomam lugar, é como se esse lugar lhes tivesse sido destinado desde sempre. Tudo parece igual, porém, de uma maneira sutil, tudo se modificou. O acontecimento provocou uma alteração nos hábitos rotineiros, acaso nos ritmos cósmicos; uma perturbação que tem um não sei que de irreversível, de definitivo.
Neste caso o acontecimento passa pela invenção de uma língua. A imitação e a invenção representam, diria Gabriel Tarde, grandes paixões (práticas) dos homens. Será que foi realmente Wilson Bueno quem “inventou” o portunhol (um portunhol malhado de guarani, que realiza por debaixo, na medula palpitante da língua, aquilo que o poeta argentino —ou, melhor, correntino— Francisco Madariaga invocava do alto de um úmido surrealismo luxurioso: gaúcho-beduíno-afro-hispano-guaraní); ou, do seu altazor artístico, ele o pegou, o foi tomando de um ou outro trecho de conversa, banal, boba, com a cuia na mão e a “china” (ou a gringa...) passando o chimarrão, em cadeirinhas de palha, no quintal atrás da cozinha. Ele o foi pegando em português e em espanhol (onde tem o sentido de “colar”), foi deixando que entrasse por um ouvido sem que pudesse sair pelo outro. Embora pareça surpreendente, Wilson Bueno tem algo de Manuel Puig (porque a sua escritura se baseia na conversa, ela joga conversa fora), e também algo de cronista, pois recolhe um modo de falar bastante difundido: praticamente todos os hispano-americanos residentes no Brasil usam os inconstantes, precários, volúveis achados da mistura de línguas para se expressar.
Essa mistura tão imbricada não se estrutura como um código predeterminado de significação: quase diríamos que ela não mantém fidelidade exceto a seu próprio capricho, desvio ou erro.
O efeito do portunhol é imediatamente poético. Há entre as duas línguas um vacilo. Uma tensão, uma oscilação permanente: uma é ou “erro” da outra, seu devir possível, incerto e improvável. Um singular fascínio advém desse entrecruzamento de “desvios” (como diria um lingüista preso à lei). Não há lei: há uma gramática mas é uma gramática sem lei; há uma certa ortografia, mas é uma ortografia errática: chuva e lluvia (grafadas de ambas as maneiras) podem coexistir no mesmo parágrafo, só para mencionar um dos incontáveis exemplos.
Mescla aberrante, Mar paraguayo tem algo de sopa paraguaia. Tal prato não bóia, como poderia-se supor, na água do caldo: é uma espécie sui generis de omelete ou empanada. As ondas desse Mar são titubeantes: não se sabe para onde vão, carecem de porto ou roteiro, tudo bóia, como numa suspensão barroca, entre a prosa e a poesia, entre o devir animal e o devir mulher.
Em toda a extensão do frondoso Mar paraguayo —associável a um poema épico-escolar: “incomensurável, aberto e misterioso a seus pés”, do romântico rio-platense Esteban Echeverría— a poesia nos espia, pula sobre nosso colo como um cachorrinho —o microscópico Brinks— ora brincalhão, ora feroz. Poesia do acaso: ela sai, criticariam adustos escribas, como que casualmente, não há determinação na indeterminação.. cabe lembrar, por exemplo, que em espanhol sin, ao invés de “sim”, quer dizer “sem”, com o qual se retira da afirmação a sua existência. Algo infinitamente cômico espreita do mesmo modo, na substituição de son (são) por san (santo).
A comicidade desenfreada, não provocada, mas filha “natural” do próprio amálgama lingual, é, ainda, outra marca deste inquietante texto. Experiência de vanguarda, cabe compara-lo, talvez, ao Catatau de Paulo Leminski (significativamente, também paranaense) e, mais além, mais ousadamente, a Larva de Julián Rios: todos eles brincam com a língua, inventando ou reinventando-a. Mas se em Catatau há um fundo de alta cultura, que, a despeito dos desmoronamentos, destruições e reconstruções, impregna o subtexto, no livro de Bueno esse fundo é cômico (um riso patético, desgarrado), é a tragicomédia das misérias cotidianas encarnada nos deslizes dos idiomas, um que de telenovela trágica que caba mal ou não acaba... Claro que tudo dotado de maior densidade, espessa: pode até soar divertido, mas não se trata de nenhum divertimento.
O mérito de Mar Paraguayo reside exatamente nesse trabalho microscópico, molecular, nesse ente-línguas (ou entre-ríos) a cavalo, nessa interminaçao que passa a funcionar como uma espécie de língua menor (diriam Deleuze e Guatari), que mina a impostada majestosidade das línguas maiores, com relação às quais ela vaga, como que sem querer, sem sistema, completamente intempestiva e surpreendente, como a boa poesia, a que não se quer previsível. E como o kilométrico caochorrinho da marafona guaratubense, que estica num kilométrico diminutivo (tomado, flor da terra, do guarani, cuja salpicada irrupção intensifica a temperatura poética do relato) a microscopia da sua grandeza, nos arrasta e seduz com o movimento da sua cauda bifurcada, como se fosse uma sereia fingindo ser manati, um manati fingindo ser sereia, e no fargulhar de escamas nos afogássemos, no êxtase iridescente deste mar vasto e profundo.
Por último, como ler Mar Paraguayo? Aqueles que tem obsessão pelo argumento (que existe, mas é tão indeciso e emaranhado quanto a matéria porosa que o compõe) e deixam de lado o elemento poético das evoluções e mutações da língua, perdarão o melhor, como esses leitores de romances melosos (mal) traduzidos que se contentam com o resumo mastigado. Mar paraguayo não é um romance para se contar por telefone.

São Paulo, setembro de 1992


Néstor Perlongher (datos biográficos)
nació en Avellaneda, Buenos Aires, la noche de Navidad de 1949. En 1982, terminada su licenciatura en sociología, se fue a vivir a San Pablo, donde ingresó en la Maestría de Antropología Social, en la Universidad de Campinas, de la que en 1985 fue nombrado profesor.
Su obra poética publicada comprende seis libros: Austria-Hungría (Buenos Aires, Tierra Baldía, 1980), Alambres (Buenos Aires, Último Reino, 1987; Premio "Boris Vian" de Literatura Argentina), Hule (Buenos Aires, Último Reino, 1989), Parque Lezama (Buenos Aires, Sudamericana, 1990), Aguas aéreas (Buenos Aires, Último Reino, 1990) y El cuento de las iluminaciones (Caracas, Pequeña Venecia, 1992). Colaboró asiduamente en las revistas El Porteño, Alfonsina, Último Reino y Diario de Poesía. Preparó la antología Caribe transplantino. Poesía neobarroca cubana y rioplatense (San Pablo, Iluminuras, 1991), y publicó numerosos textos en prosa, entre los que se destacan El fantasma del SIDA (Buenos Aires, Puntosur, 1988) y La prostitución masculina (Buenos Aires, La Urraca, 1993).
Néstor Perlongher fue un escritor insaciable. Creó un estilo propio que apodó "neobarroso", en el que reunía contradictoriamente los bucles barrocos y el barro del Plata: es decir, él mismo... la figura de Néstor Perlongher se fue agigantando de un modo tal que a esta altura aparece como una de las voces más necesarias de la última poesía argentina. Néstor Perlongher murió de SIDA en San Pablo, el 26 de noviembre de 1992.

2 comentarios:

Anónimo dijo...

Gracias, Jorge! Por tu contribución al estudio del portunhol. Hay más?

Anónimo dijo...

Gracias, Jorge! Por tu contribución al estudio del portunhol. Hay más?